Uma belíssima obra barroca recém-descoberta da pintora italiana Artemisia Gentileschi (1593-1654) foi leiloada em Paris, na semana passada, pela casa de leilão Artcurial.

Artemisia Gentileschi, Lucrezia, 1630-1637.
Coleção Particular.
Executada na década de 1630, a pintura Lucrezia (Lucrécia), foi descoberta apenas recentemente em uma coleção particular, na cidade francesa de Lyon, onde esteve guardada, sem reconhecimento, por cerca de quarenta anos, de acordo com o Artcurial.
A pintura mostra Lucrécia, uma antiga nobre romana que se matou após ser estuprada por Sexto, filho de Tarquínio, o Soberbo, último rei de Roma. Seu estupro e subsequente suicídio em protesto a sua inocência ajudaram a desencadear a revolução que levou à fundação da República Romana.
Uma das características do barroco era retratar o ápice de uma história ou evento. Assim, a Lucrécia é retratada em um momento dramático, quando está prestes a cravar uma adaga em seu próprio peito.
Séculos à frente de seu tempo, Artemisia Gentileschi foi uma das primeiras e únicas artistas femininas a obter sucesso no século XVII. Seguindo os passos de Caravaggio, suas pinturas barrocas foram algumas das mais dramáticas e dinâmicas de sua geração. Ela se tornou conhecida pelo realismo das obras, pelo uso extremo do chiaroscuro e por colocar as mulheres e suas histórias no centro de todas as imagens.
Artemisia subverteu as representações tradicionais das protagonistas femininas de histórias bíblicas e mitológicas, apresentando-as como heroínas capazes de tomar suas próprias decisões em vez de serem objetos passivos do olhar masculino.

Artemisia Gentileschi, Judite decapitando Holofernes, 1620.
Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.
Imagem: Wikimedia Commons

Artemisia Gentileschi, Ló e suas filhas, c 1635 e 1638.
Museu de Arte de Toledo, Itália.
Imagem: Wikimedia Commons
A história de Artemisia é parecida com a história de Lucrécia. Em 1611, aos dezoito anos, foi estuprada por Agostino Tassi, um pintor amigo de seu pai. Em vez de se matar, ela, com o apoio de seu pai, denunciou o agressor um ano mais tarde. Como era de se esperar, a opinião pública se voltou contra ela e Artemisia foi bastante humilhada. Sua declaração foi questionada pela justiça, pois, naquela época, uma acusação formal desse gênero era incomum. Durante o julgamento, que durou meses, ela aceitou se submeter a um interrogatório que incluía técnicas de tortura. Acreditavam que, sob tortura, ela finalmente falaria “a verdade”. Artemisia não mudou sua declaração e, no final, o agressor acabou sendo considerado culpado e exilado de Roma.
Seu nome permaneceu esquecido por quase dois séculos. Foi apenas em 1900 que seu trabalho foi redescoberto. Atualmente, ela continua sendo uma inspiração, não apenas por sua poderosa obra de arte, mas por sua capacidade de superar os limites e os preconceitos de seu tempo.
As representações de Artemisia Gentileschi de mulheres fortes e poderosas estão atraindo uma nova onda de interesse no mercado de arte e nos museus. Lucrécia, avaliada entre 600 mil e 800 mil euros pela casa de leilões Artcurial, foi leiloada por quase cinco milhões de euros, um lance recorde para a artista.

Artemisia Gentileschi, Santa Cecília, c 1620.
Coleção privada, Trento, Itália.
Imagem: Wikimedia Commons

Artemisia Gentileschi, Auto-retrato como alegoria da pintura, 1638-39.
Coleção Real, Inglaterra.
Imagem: Wikimedia Commons