A prestigiada Royal Academy of Arts de Londres exibe uma cópia da obra A Última Ceia de Leonardo da Vinci, produzida entre 1515 e 1520, pouco mais de uma década e meia após Leonardo ter concluído a obra original.
A cópia esteve no Mosteiro dos Cartuxos, em Pavia, na Itália, por dois séculos. Em 1817, foi levada para a Inglaterra para ser vendida e, em 1821, foi finalmente adquirida pela Royal Academy of Arts.
A obra foi feita por Giampietrino (1508-1549), um aluno de Leonardo, mas especula-se que tenha recebido colaboração de Giovanni Antonio Boltraffio, outro de seus alunos.
Há ainda outras duas cópias de A Última Ceia produzidas ainda no séc. XVI. Uma está no Museu Leonardo da Vinci, na Bélgica, enquanto a outra está na Igreja de Santo Ambrogio, na Suíça. A de Londres, por ser a cópia mais fiel, foi o principal recurso para a última restauração da obra original.
A pintura original (1494-1498) está localizada no refeitório do Convento de Santa Maria das Graças, em Milão.
O assunto da Última Ceia é a refeição final de Cristo com seus apóstolos, antes de Judas entregar Cristo às autoridades. A representação de Leonardo da Vinci retrata o momento imediatamente após Cristo dizer: “Um de vocês me trairá.”
Leonardo rejeitou a interpretação clássica da composição, na qual os participantes são distribuídos ao redor da mesa, geralmente, redonda, e optou por colocá-los atrás de uma mesa retangular, com Jesus ao centro. Ele também criou quatro grupos de três figuras, dois de cada lado de Cristo.
A representação em uma mesa reta tinha várias vantagens artísticas, entre elas a possiblidade de retratar os rostos de todos os presentes. Assim, Leonardo pode capturar magnificamente os movimentos e expressões de cada um, retratando as diferentes reações dos apóstolos após Cristo anunciar que um deles o trairia.
Leonardo imaginou, e conseguiu expressar, o desejo que passou pela cabeça dos apóstolos de saber quem estaria traindo seu Mestre. Assim, no rosto de cada um se vê amor, medo, indignação ou pesar por não poder compreender o significado de Cristo; e isso não desperta menos espanto do que o ódio obstinado e a traição que se via em Judas.
O arranjo da pintura também foi inovador. O artista representou o espaço usando a perspectiva linear, uma técnica desenvolvida no Renascimento, que emprega linhas paralelas que convergem em um único ponto de fuga para criar a ilusão de profundidade, em uma superfície plana. A genialidade de Leonardo foi colocar o ponto de fuga na têmpora direita de Jesus, chamando a atenção do observador para o assunto principal.
Infelizmente, Leonardo não trabalhou com afresco, mas com têmpera, em uma superfície de gesso, com duas camadas que não absorveu bem a tinta. Ele alcançou o que almejava: cores mais vivas, grande luminosidade e detalhe extraordinário. No entanto, devido ao uso desta técnica experimental, assim como a umidade da parede na qual a obra foi pintada, o original deteriorou-se bastante. Na segunda metade do século XVI, o artista e estudioso sobre arte, Giovan Paulo Lomazzo afirmou “… a pintura está toda destruída.”
Por sorte, a cópia foi feita entre 1515 e 1520, em período anterior ao início da deterioração, quando ainda era possível visualizar detalhes da obra original que se apagaram com o tempo, como o saleiro tombado pelo braço direito de Judas. Naquela época, sal derramado era considerado sinal de mau presságio.
Outro detalhe que se vê na cópia são os pés de Jesus, que se perderam quando uma porta foi inserida na parede do refeitório.
Sim, é difícil de acreditar, mas uma parte da obra de Leonardo da Vinci foi destruída para dar lugar a uma porta!!
E esse nem é o único fato chocante: durante sua invasão a Milão, Napoleão Bonaparte usou o refeitório como estábulo.
A cópia, apesar de ter quase o mesmo comprimento do original, não possui a parte superior da composição de Leonardo, de forma que o impacto da perspectiva linear usada por Leonardo não é tão grande na cópia.
Eu sei que ver uma cópia de A Última Ceia não é o mesmo que ver o original, até porque a obra de Leonardo está muito vinculada ao lugar em que foi produzida. No entanto, observar os detalhes que já não se podem ver na obra em Milão é uma experiência bastante rica e reveladora. Além disso, como apenas 20 por cento da obra original continua intacta, a pintura da Royal Academy of Arts pode nos ajudar a vislumbrar o impacto que a peça original provocou nas pessoas que tiveram o privilégio de vê-la quando era nova.